Trinta
Entardecia,
July estava deitada em sua cama, o dia estava frio, ela se cobriu com uma
manta, para se sentir mais confortável, quem sabe se sentir aquecida amenizasse
sua solidão. Ela estava ali pensando na vida, no dia seguinte ela completaria
30 anos, e essa ideia movimentava seus pensamentos, que variavam entre
questionamentos, avaliações e planos futuros.
July
se sentia muito sozinha nos últimos dias, o fato de completar 30 anos a
assustava, pois, desde sua infância ela era uma criança sonhadora, fazia planos
em sua mente, e vislumbrava uma vida confortável, feliz, amorosa. E, no entanto,
seus planos estavam meio que frustrados. Ela tinha uma vida financeira
razoável, mas longe de ser confortável, como ela sonhara. Ela tinha alguns
momentos felizes com sua família, seus amigos, mas não demorava muito até ela
se sentir traída, enganada por alguma dessas pessoas. Então ela se abria menos
a cada dia. E o amor, ah, esse era o que ela sentia mais falta, chegava a
sentir dor física quando pensava muito sobre esse aspecto.
July
sentia frio, o cobertor não era suficiente para aquecer o vento álgido que
vinha da janela de seu passado. Não era, necessariamente, seu passado que a
incomodava, mas, esse tinha total influência no seu presente, e, este precisava
de mudanças, para que seu futuro ficasse a contento.
Ela
era uma mulher bonita, morena, cabelos longos com singelo cacheado, olhos
vívidos, chamava atenção pela sua beleza e, principalmente, pela sua simpatia,
sempre tinha sorrisos a distribuir, mesmo que por dentro seus sentimentos
estivessem beligerantes.
July
encolhia, rolava na cama, tentava encontrar alguma forma de parar seus
pensamentos, mas era em vão, eles tintilavam em sua cabeça, esses fleches passeavam
desde sua infância até na semana anterior aquela data, que foi quando July
terminou um relacionamento rápido com um rapaz que conhecera numa festa. Foi um
relacionamento curto, porém, muito intenso.
Cláudio
era um belo jovem, tinha 27 anos e acabara de terminar a faculdade. Tinha muito
contato com as artes, uma vida careta, mas, uma cabeça muito aberta, a parte
financeira razoável e já era considerado um bom partido pelas garotas. Ele e
July conversaram muito, no tempo que passaram juntos, ele contou sua vida pra
ela, coisas da infância, brincadeiras com os primos, festas da adolescência,
viagens da faculdade, romances, amores e tudo que envolvera sua vida. July
ouvia atentamente, mas, o que mais atraía a atenção dela, era a propriedade com
que Cláudio conduziu sua vida, tomou decisões e enfrentou desafios para
realizar seus sonhos, ele foi autor da própria história.
July
refletiu muito sobre esse assunto “ser autor da própria vida” e chegou a
conclusão que nunca fui autora de sua própria vida. Foi uma criança reprimida,
que não brincava na rua, não fazia artes, não inventava suas próprias
brincadeiras, sempre obedecendo a alguém. Seus pais (sempre sérios e fechados)
não tinham muito tempo livre, o que ela tem de lembrança boa da infância é que
à noite se recostava no colo de sua mãe pra ver TV. July não acreditava em
Papai Noel, pois, sempre via os presentes antes (sua curiosidade a levava onde
a mãe os escondia), mas não dizia nada a ninguém, aliás, até hoje, ela nunca
diz nada a ninguém. Em sua vida só ela sabe o que se passa, não tem amigas
confidentes, nem mesmo um diário.
Na adolescência ela se soltou um
pouco mais, ia a clubes, cinemas e passeios com as amizades da época,
considerava a melhor fase de sua vida, apesar de sempre ter sido traída (de
alguma forma) por essas amizades, mas sempre partia pra outra. Ainda na
adolescência, July conheceu o “amor”, era um amor bonito, leve, que enchia seu
coração de fantasias e a vida de poesia, sua vida era conduzida por esse amor,
não se reservou o direito de escrever nem mesmo uma frase inteira nessa história,
da qual não era autora, se resumiu a uma única palavra “sim”.
Viveram esse “amor” por três anos,
não era um amor comum, era uma relação de carinho, companheirismo, luta, força.
July realmente acreditava que era feliz, mas, ao mesmo tempo, sentia que
faltava alguma coisa, não conseguia identificar o que era. Só hoje, ela percebe
que sentia falta era desse controle da própria vida, não era autora, e sim, uma
simples coadjuvante em sua própria história.
July não tinha dado continuidade aos
estudos, tinha um bom emprego, se levasse em consideração que só tinha o
segundo grau. Teve alguns namorados desde a separação, mas nenhum amor que
rompesse a carapaça que envolvia seu coração.
Hoje July estava só, num primeiro
momento, se sentia abandonada, traída, enganada, pois, tudo que tinha vivido,
descobrira ser mentira, de alguma forma a vida tinha passado e sua idade estava
pesando em seu corpo, ela nem sequer tinha percebido. A solidão era o pior
sentimento que já havia sentido em toda sua vida. Estava mal, não se alimentara
e nem dormia naquela semana, além de se sentir mal em atrasar os compromissos
firmados.
E July se via ali, sentindo frio na
alma, quando, em meio aos seus pensamentos, lhe veio um sorriso do Cláudio,
como uma luminescência que lhe envolvesse e aquecesse. Ela se lembrou de quanto
apreciava o sorriso dele e sem perceber se vê sorrindo também. Quando lhe vem a
cabeça a ideia de que nada na vida é ao acaso. July então percebe o poder de
Deus e o motivo da passagem rápida de Cláudio em sua vida. E em tom de oração
ela pensa:
“Como Deus é bom comigo! Enviou-me
um presente, um lindo anjo, repleto de ternura e carinho. Passamos muito pouco
tempo juntos, mas o suficiente pra eu entender que era preciso mudar minha
vida, que era preciso parar de me esconder dela, que era preciso mostrar a
cara, gritar pro mundo que eu existo. Ainda não aprendi gritar, mas, terei a
solidão, a partir de hoje, como minha aliada, aproveitarei o tempo sozinha para
crescer como pessoa. Sinto-me livre agora, como nunca havia me sentido na vida,
nem mesmo na adolescência. E, sinto-me pronta para que o amor renasça em meu
coração.”
Ana Paula Silva
Autora do Livro: Me Apaixonei Por Um Poeta
Conto contido no Livro Mulheres e Meninas: Prosa e verso da alma feminina
Editora Illuminare - 2015